sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013
TST. Rescisão indireta é um trunfo do empregado contra o mau empregador
TST.
Rescisão indireta é um trunfo do empregado contra o mau empregador
Meses sem receber salário, recolhimento irregular do
FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) pela empresa e situações
constrangedoras de assédio moral são faltas graves do empregador que fazem os
empregados com frequência recorrerem à Justiça do Trabalho para buscarem o
reconhecimento de rescisão indireta do contrato de trabalho.
Cada vez mais utilizada pelos trabalhadores quando os
empregadores descumprem o contrato de trabalho, a rescisão indireta já foi
chamada de “justa causa patronal” pelo ministro Renato de Lacerda Paiva (foto),
do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Para ser reconhecida em juízo, a
rescisão indireta deve se encaixar em algumas das situações listadas pelo
artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Reconhecida a rescisão indireta, o empregador tem que
pagar ao ex-funcionário todas as verbas rescisórias, da mesma forma como se o
tivesse demitido imotivadamente, inclusive a indenização de 40% sobre o FGTS.
Isso porque a rescisão teve origem em uma quebra de contrato por parte do
empregador.
Apesar da iniciativa formal para a rescisão também ser
do empregado, a motivação é diferente da do pedido de demissão, situação em que
o trabalhador pede para sair da empresa por interesses pessoais e por essa
razão não tem direito a nenhuma indenização nem liberação de FGTS.
O TST examinou em 2012 inúmeros processos envolvendo
rescisão indireta. Pelas diversas Turmas e pela Seção Especializada em
Dissídios Individuais passaram casos em que os empregados, por não tolerarem
mais o comportamento abusivo do empregador, pediram demissão ou até abandonaram
seus empregos, e depois ajuizaram ação pedindo reconhecimento da rescisão
indireta.
Cláusulas econômicas do contrato
Compromisso essencial do empregador, a falta de
pagamento de salário foi causa de rescisão indireta de trabalhadores rurais que
ficaram meses sem receber salário, em um dos casos com ocorrência inclusive de
fraude envolvendo sindicato que homologou pedido de demissão em vez de rescisão
indireta. Em um dos casos, o empregado tentou mas não conseguiu receber também
indenização por danos morais.
A falta de pagamento de salários por três meses, só que
desta vez tendo como foco uma multa de cerca de R$ 2 milhões, envolveu um
jogador de futebol profissional conhecido como o meia Branquinho. Ele buscou na
JT o reconhecimento da rescisão indireta do contrato com o Rio Preto Esporte
Clube e cobrou em juízo a multa milionária referente à cláusula penal
estipulada em contrato para o caso de alguma das partes, atleta ou clube, descumprir
o contrato.
A rescisão indireta foi reconhecida, mas a multa
aplicada não foi a que o atleta pretendia. O TST entendeu que a rescisão do
contrato do jogador de futebol pela falta de pagamento de três meses de
salário, como no caso, acarreta ao clube o pagamento da multa do artigo 479 da
CLT, e não da cláusula penal prevista no contrato de trabalho do atleta.
Outro atleta que também conseguiu o reconhecimento da
rescisão indireta, mas desta vez pela falta de pagamento de parcelas relativas
ao direito de uso da imagem, foi o ex-jogador do São Paulo Futebol Clube
conhecido como Dill. A Sexta Turma condenou o clube ao pagamento do valor
respectivo, no total de R$ 469 mil (referente a julho de 2004), concluindo que,
mesmo não tendo natureza salarial, as parcelas estipuladas no contrato de
cessão de imagem eram parte acessória do contrato de trabalho.
Outra falta grave do empregador, de cunho econômico,
que é motivo para a rescisão indireta de contrato de trabalho, conforme alínea
“d” do artigo 483 da CLT, é a ausência de recolhimento ou o recolhimento
irregular de FGTS. Esse entendimento foi aplicado pela Subseção 1 Especializada
em Dissídios Individuais (SDI-1), ao examinar o recurso de um professor do
Paraná, e pelas Oitava e Quinta Turmas, que analisaram processos originados com
reclamações, respectivamente, de um contador e de uma professora paulistas.
Ao tratar do assunto na SDI-1, o ministro Renato Paiva
destacou que o recolhimento do FGTS, por ter natureza alimentar, é “cláusula
contratual imprescindível à manutenção, à sobrevivência e à dignidade do
trabalhador”. E mais: ele considera que o reconhecimento da rescisão indireta
supõe a ocorrência de “justa causa patronal”.
Ainda de caráter econômico foi a falta cometida pela
empregadora de uma servente de limpeza que ficou sem receber vale-transporte da
empresa, apesar de descontado do salário dela, que chegou a gastar cerca de 41%
do salário com transporte. A trabalhadora conseguiu não só o reconhecimento da
rescisão indireta como também uma indenização por danos morais de R$ 10 mil.
Constrangimento moral
Nos casos de ofensas verbais a um trabalhador rural que
protestou por melhores condições de trabalho e foi demitido por justa causa;
revistas íntimas visuais que geravam atitudes e comentários constrangedores e
vendedor vítima de discriminação homofóbica, além de haver reconhecimento da
rescisão indireta, também houve obrigação do pagamento de indenização por danos
morais por parte dos empregadores.
A falta de segurança no trabalho, criando trauma
psicológico em um empregado que viu colegas serem vítimas de acidente com
botijões de gás e era obrigado a trabalhar sem condições, levou-o a pedir
demissão. Ele obteve a conversão do pedido de demissão em rescisão indireta,
com base na alínea “c” do artigo 483.
Rescisão indireta indeferida
Nem todas as situações desagradáveis ao empregado podem
ser motivo de rescisão indireta. É o caso, por exemplo, de um empregado
transferido de São Paulo para Campinas após 12 anos de trabalho na capital
paulista. Para o TST, não houve rescisão indireta, pois o contrato de emprego
previa a transferência de local de prestação de serviços.
Frustrada também foi a tentativa de duas empregadas
demitidas por justa causa por abandono de emprego porque deixaram de comparecer
ao serviço após terem descoberto que, no banheiro que utilizavam, havia um
buraco pelo qual os colegas homens as espionavam. Segundo contaram em juízo,
depois de reclamarem a seus superiores e nada ter sido feito, elas registraram
boletim de ocorrência e não mais retornaram ao trabalho.
Após a demissão, elas ajuizaram a reclamação para
converter a demissão pelo abandono de emprego em rescisão indireta, mas
perderam a causa. Pela provas produzidas nos autos, suas alegações não
convenceram, pois o buraco era tão pequeno que apenas vultos podiam ser vistos
através dele. Na sentença, o juiz reconheceu a rescisão por justa causa. A
decisão foi mantida em todas as instâncias da Justiça do Trabalho.
Outro demitido por abandono de emprego e que não
conseguiu reverter a justa causa em rescisão indireta foi um anestesista que
alegou assédio moral do hospital em que trabalhava. Ele foi transferido do
setor de cirurgias cardíacas para o de cirurgias geral e plástica, o que lhe
causou redução salarial. Segundo o médico, a mudança ocorreu por perseguição
por parte da chefia, que teria passado a tratá-lo com extremo rigor após a
publicação de uma entrevista na qual criticou o mercado de trabalho para os
anestesistas.
Ele emitiu um comunicado à empresa e parou de
trabalhar, ajuizando ação com o pedido de reconhecimento da rescisão indireta
do contrato de trabalho e indenização por danos morais. O juízo de primeira
instância indeferiu as duas pretensões e entendeu que o comunicado do médico
tinha valor de pedido de demissão. A decisão foi mantida até a Oitava Turma do
TST.
Por fim, em situações que lembram investigações de
detetives, a Justiça do Trabalho desvendou conluios entre as partes, cujo
pedido ou falta de pedido de rescisão indireta foi o que desencadeou a
descoberta da fraude. Em uma delas houve fraude de fazendeiro com uma
trabalhadora rural que lhe prestava serviços gerais e ajuizou ação pedindo a
rescisão indireta. O empregador, sem advogado na audiência, nem sequer
questionou o valor de R$ 154 mil pretendido pela empregada, o que motivou a
desconfiança do juiz. O pedido foi negado.
Mais um caso de fraude que chegou até à SDI-1 foi de um
chefe da Associação Hospitalar e Maternidade de São Paulo. Ele ajuizou várias
reclamações e disse fazer parte da diretoria, recebendo mais de R$ 7 mil de
salário. Quem comparecia às audiências eram outros diretores da associação, que
não questionavam os valores e faziam acordos fraudulentos, se revezando com ele
em outras ações. Como ele alegava que estava há anos sem receber salários,
chamou a atenção a ausência do pedido de rescisão indireta. Com os acordos
fraudulentos ele receberia mais de 1,2 milhão.
Artigo 483 da CLT
A rescisão indireta tem como base esse artigo da CLT.
Ele prevê que o empregado pode considerar rescindido o contrato e pleitear
indenização quando forem exigidos serviços superiores às suas forças, proibidos
por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato; for tratado pelo
empregador ou superiores hierárquicos com rigor excessivo; e correr perigo
evidente de mal considerável.
Além disso, o mesmo ocorre se o empregador não cumprir
as obrigações do contrato; reduzir o seu trabalho, realizado por peça ou
tarefa, reduzindo salário; ou ele ou seus prepostos praticarem ato lesivo da
honra e boa fama contra o empregado ou pessoas de sua família ou ofenderem-no
fisicamente, exceto em legítima defesa ou de outra pessoa.
(Lourdes Tavares/MB)
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