quinta-feira, 24 de julho de 2014
Manifesto contra os juristas da repressão. Resistência política se faz com advogados de verdade.
Em tempos de prisões políticas, torturas, sítio à
cidade, suspensões dos direitos civis e políticos, questiona-se por onde anda a
comunidade jurídica. Afinal, para que os juristas resolveram se dedicar ao
estudo do Direito, senão à aplicação da justiça? Como podem estes ignorar os
atentados à democracia que ora sucedem após jurarem defender a constituição e a
justiça social?
“Se você é neutro em situações de injustiça, você escolhe o
lado do opressor.” (Desmond Tutu)
É com grande pesar que verifica a doença do
individualismo em todos os setores da sociedade. Mais preocupante é observar
aqueles que se julgam por doutores da justiça empenhados apenas na busca do engrandecimento
pessoal. Onde estão os aclamados intelectuais, que instigam as mentes nos
bancos acadêmicos, para atiçar a sociedade de questionamentos e lembranças
históricas de uma ditadura que não queremos mais? Descerão estes semi-deuses
dos palanques para viver o mundo que tanto falam?
Mais precisamente, questiona-se, por onde
caminham os advogados que por vezes bradam a bandeira do Estado Democrático de
Direito no papel e clamam pela lei, como forma imperiosa de se fazer justiça.
A construção etimológica da palavra “advocacia” é
inerente àquela missão abnegada de um sujeito que age por outrem, em nome de
outrem, e não negocia direitos.
Advogar, dissecando a origem deste verbo,
significa “chamar a si”. Trata-se de missão destinada aos homens e mulheres que
entendendo a grandeza da sua função social, tomam para si a responsabilidade e
agem de ofício, sem precisar ser chamado, visando o direito das pessoas
possuírem direitos. E tal proporção e responsabilidade aumenta de grandeza
quando a missão que lhe é cabida se destina a proteger e defender o mais
indefeso dos homens, aquele não possuidor de direitos que é atacado pelo poder
político assenhorado, e por isso é condenado e apenado sem que haja previsão
legal para os fatos a ele imputados. Em poucas palavras, esse injustiçado pode
ser chamado de preso político. São chibatadas nas costas, desferidas por esses
senhores políticos, que rasgam a constituição mais do que a carne destes
escravos de direitos.
Na história, o papel do advogado cumpre um papel
de tamanha “subversão” e incômodo aos poderosos que é sabido que Napoleão
tentou extinguir a profissão. Hitler e Mussolini eram avessos aos advogados,
agrilhoavam-nos, prendiam-nos, quando não, os matavam procurando os mais
idealistas e admirados. Lenin por sua vez reclamava: – Advogados, nem
os do partido. Mandela, sempre foi um subversivo para o seu tempo, como
advogado defendeu direitos que até então não existiam para os negros da Africa
do Sul. As perseguições políticas levaram-no a ser condenado por crimes e tudo
isso feito em conformidade com o Estado de Direito, porém um Estado de Direito
para brancos, que não o reconhecia.
Parece oportuno rememorar Sobral Pinto: “A
advocacia não é profissão para covardes”.
No Brasil, em 2014, advogados ativistas
defensores dos direitos fundamentais, quando em defesa de manifestantes, estão
sendo postos a prova, perseguidos, grampeados e encarcerados. O crime, defesa
do direito de defesa, as armas, suas ideias, tão revolucionárias quanto aquelas
que derrubaram a bastilha.
Em São Paulo tivemos 3 advogados detidos
arbitrariamente em apenas duas semanas, sendo que os três foram agredidos
quando no exercício da profissão e o advogado Daniel Biral foi torturado,
levado ao desmaio, em um camburão, sem direito ao acompanhamento da prerrogativas
da OAB, e pior, sem direito de lavrar boletim de ocorrência contra aqueles que
abusaram da autoridade.
No Rio de Janeiro, o cenário é tão absurdo que a
advogada Eloisa Samy foi detida temporariamente sem o mínimo de fundamentação
legal, de forma completamente política, e quando o Tribunal de Justiça decidiu
pela soltura em ordem de habeas corpus, o juiz de primeira instância resolveu
prendê-la novamente, nas entrelinhas da lei, afrontando o sistema processual
penal e a segurança jurídica pátria.
O desaforo foi tamanho, e o medo tão latente, que
diversos ativistas, assim como a advogada procuram refúgio em território
internacional, batendo às porta dos consulados estrangeiros, pedindo clemência
pela situação de injustiça e perseguição política que se encontram.
Como pode neste sistema processual penal a
utilização de interceptações telefônicas serem autorizadas para um número
grande de advogados de manifestantes, colocando sumariamente o papel da defesa
em situação de averiguação? Se não bastassem estes grampos estão sendo
dirigidos não só contra advogados, mas órgãos de direitos humanos.
Querem reduzir os advogados em simples zeladores
dos interesses do poder. Esterilizam o seu poder de atuação, aniquilam suas
prerrogativas, e assim os transformam em simples tecnocratas, dentro de um
padrão de burocracia garantidor do status quo. A perseguição política
voltou, mais forte do que nunca e endossada por grandes donos de mídia.
Não podemos voltar a viver numa maré de
incertezas jurídicas. No Estado de Direito que sonhamos e almejamos, sob a
égide do Direito e da Justiça, ainda falta muito a conquistar. Resgataram o
conceito de subversão, apelidaram-no de Black Bloc, e todo aquele que ousa se
manifestar é tomado como subversivo. Até prova o contrário, todos os
manifestantes são considerados subversivos, estudantes, professores,
funcionários públicos, advogados e toda sorte de cidadãos.
Acredito pertencer a uma geração que acredita em
novos valores e em novas formas de relações sociais, tomando responsabilidade
do engajamento político, visando a mudanças estruturais que tenham por objetivo
o bem comum. O projeto é por si essencialmente coletivo, e aqui o
individualismo não conta.
Procura-se advogados, de verdade.
Para resistir.
Este texto é dedicado a cada um dos
presos políticos que estão sofrendo as arbitrariedades de um sistema que se diz
justo. Força aos juristas que honram o seu nome no combate a repressão
institucionalizada.
André Zanardo é advogado criminalista e
colunista semanal do Justificando.
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